A criança que fui chora na estrada

A criança que fui chora na estrada.  
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;  
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,  
Quero ir buscar quem fui onde ficou. 

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou 
A vinda tem a regressão errada.  
Já não sei de onde vim nem onde estou.  
De o não saber, minha alma está parada.  

Se ao menos atingir neste lugar 
Um alto monte, de onde possa enfim 
O que esqueci, olhando-o, relembrar,  

Na ausência, ao menos, saberei de mim,  
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar 
Em mim um pouco de quando era assim.


Fernando Pessoa

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